Morando com os sogros: entre o sushi, a vigilância 24h e o sonho da liberdade

Reality Show não autorizado

Fui convidada pelo meu esposo para jantar e olha, quando eu digo “jantar”, entenda como o ápice da minha semana. Porque ele sugeriu sushi. E se tem uma coisa que me faz esquecer os boletos, as tensões e até o fato de que moramos com os pais dele… é sushi. Ele sabe disso, claro. Então aceitei como quem é chamada para receber um Oscar.

O jantar foi maravilhoso. Rimos, conversamos, respiramos ar de liberdade. Aproveitei o clima e falei com ele sobre um assunto delicado: a falta total de privacidade em casa. Disse como me incomoda ter que dar satisfações o tempo todo. Onde vou. Que horas volto. Por que respirei diferente. Relatar cada passo do meu dia como se eu fosse uma adolescente, e não uma mulher casada.

Meu esposo já tinha conversado com os pais antes, explicando que um casal precisa de privacidade. Que não dá para viver sob supervisão 24 horas. Que amor não precisa ser confundido com controle. Mas adivinha? A resposta foi um show dramático ao vivo:

“Ah, é assim? Então não terá mais Natal nem Ano Novo!”

Sim. A privacidade custaria o fim das festas de fim de ano. Uma troca justa? Talvez.

Porque vou te contar: morar de favor na casa dos sogros é caro demais,  psicologicamente falando. Mesmo que seja “no andar de baixo” ou “num espaço separado”, a sensação é a mesma de morar num aquário com duas carpas observando cada movimento. Carpas falantes. E dramáticas.

Reality show nível hard: “A Nora Observada”

Após o jantar, passamos em algumas indústrias para deixar meu currículo (porque minha carta de alforria depende de um contrato de trabalho, de preferência urgente). Chegamos em casa por volta das 23h. Um horário perfeitamente normal para seres humanos… mas aparentemente inaceitável para seres vigilantes noturnos de 70+ anos.

Do carro, já vi: todas as luzes da casa acesas e a janela escancarada, igual àquelas cenas de filme de terror em que o vilão observa a vítima de dentro da casa. Só faltou o fundo musical.

Descemos. Entramos direto, em modo fuga estratégica. Mal colocamos o pé para dentro, ela aparece. A sogra. A guardiã do portão. Descendo as escadas como quem vai flagrar adolescentes voltando da balada.

Mas calma, ela não veio falar. Veio “conferir se a porta estava trancada”, porque, na mente dela, somos duas crianças irresponsáveis incapazes de girar uma chave adequadamente.

Fingimos normalidade. Ela verificou tudo. Desceu de novo. Ficou um tempo em silêncio perto da porta (acredito que para ver se escutava algo suspeito, tipo… nossa respiração). Mas não bateu. Eu senti paz como quem escapou da fiscalização da alfândega com uma garrafinha de água.

Caminhada filosófica com minha sogra (ou não)

No dia seguinte, meu marido ficou em casa de manhã. Conversamos, almoçamos juntos, e depois ele foi trabalhar. E então fui convocada para mais uma missão:

“Vamos caminhar comigo?”, perguntou ela.

Eu aceitei. Vai que ela resolve se abrir, conversar sobre a vida, ter um momento genuíno? Mas não. O passeio foi um catálogo ambulante de doenças, tragédias e comparações olímpicas de quem sofre mais.

Encontramos uma senhora na rua. A mulher feliz, disposta, radiante. Perguntou delicadamente à minha sogra como ela estava.

“Mal. Tudo dói.” — respondeu ela.

E começou a relatar doenças dela, dos vizinhos, dos parentes, dos desconhecidos… Se tivesse uma planta doente no caminho, ela relataria também.

Seguindo a rota, eu tentei conversar. Contei que quando criança quebrei o pé e a mão. Ela, imediatamente:

“Ah, eu também quebrei! Olha aqui…”

E mostrou a mão como se fosse uma medalha de guerra. Eu respondi: “Ué, que sorte a minha, não ficou marca nenhuma”. Ela apenas ignorou. Afinal, na terra dela, só vale a história se for pior.

A vizinha iluminada e a expressão fechada da sogra

Mais à frente, encontramos outra vizinha,  super simpática. E ela disse algo que aqueceu meu coração:

“Seu marido me disse que é muito sortudo por ter uma mulher como você.”

O rosto da minha sogra travou na hora. Congelou. Parecia que alguém tinha dito que eu era a preferida. Mas eu apenas sorri. Já conheço os efeitos colaterais da palavra elogio naquele organismo.

E adivinha? A conversa continuou… e novamente ela começou a reclamar, reclamar e reclamar. Até que a vizinha, santa enviada dos céus, mandou:

“Não é bom ficar com esse pensamento negativo sempre. Falar só de doença atrai mais doença.”

Eu? Fiz cara de paisagem. Mas por dentro eu gritava: GLÓRIA A DEUS, FINALMENTE ALGUÉM FALOU!

O jogo da comparação eterna

Mais tarde, contei que havia desmaiado por tontura (leve, coisa rápida,  meu marido até segurou minha cabeça como um galã de novela das seis). E claro, a resposta dela foi imediata:

“Eu também não vou me abaixar hoje não. Vai que desmaio também, porque acordei mal.”

Mais um ponto para o placar do “Quem sofre mais”.

E ainda teve mais:

“Meu filho não bebia isso antes. Agora bebe.”

“Deve ser culpa minha”, respondi. “Eu bebo e ele acaba bebendo também.”

Ela não riu.

“Meu filho antes caminhava. Agora só quer saber de carro e computador.”

Detalhe: ele só sai pra trabalhar. Mas na narrativa dela, ele virou um viciado em sedentário extremo. Tudo porque fomos jantar.

Meus sogros são câmeras de segurança humanas

Colocamos o lixo pra fora? Eles observam.
Teve também o depoimento indignado sobre o refrigerante , porque agora não basta nos vigiarem, precisam avaliar cada gole e cada mordida, mesmo quando não são eles que pagam.

Saímos? Observam.

Voltamos? Observam.

Tomamos banho? Provavelmente ouvem o tempo que ficamos no chuveiro.

Me sinto uma prisioneira vigiada em tempo integral. Só falta colocarem tornozeleira eletrônica com GPS.

Meu grito silencioso para Deus (e para o RH de alguma empresa que possa me contratar logo)

Eu só quero trabalhar. Juntar dinheiro. E sair daqui com meu esposo. Só nós dois. Sem plateia.

É importante saber que não quero separar meu marido dos pais, eles são idosos, eu entendo. Mas também sou humana. Preciso respirar sem ser monitorada.

Estou no meio do dilema: não quero que ele sinta remorso no futuro… mas eu também não quero enlouquecer no presente.

Ele já está no limite. Às vezes se controla na resposta para eles. Às vezes responde na lata:

“O que você quer?”

E eu entendo. Qualquer um perderia a paciência com tanta batida na porta.

Conclusão do episódio de hoje

Mais um dia previsível dentro do imprevisível.
Mais um capítulo da série “A Nora Observada”.
Mais uma rodada de controle, drama e intromissão gratuita.

Mas também… mais um passo na minha certeza:

Eu vou sair dessa. Com amor, com gratidão sim e com paciência… e talvez com um contrato de trabalho e um aluguel assinado.

Até lá, sigo firme. E escrevendo,  porque se eu não rir disso, eu choro.

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