Nem sempre as coisas da vida seguem uma ordem lógica ou uma sequência fácil de explicar. Às vezes, o que eu compartilho aqui é um pouco fragmentado: um pensamento que anotei em uma mensagem para mim mesma, um desabafo enviado por e-mail ou até algo que acabei de escrever, no meio da correria, antes que alguém percebesse. Mas hoje eu quero dividir com vocês dois dias recentes: segunda e terça-feira à noite, que mexeram muito comigo e me fizeram refletir sobre fé, relacionamento e os desafios de recomeçar em outro país.
A rotina de turnos e a oração em casal
Meu esposo trabalha por turnos, o que significa que muitas vezes chega em casa tarde, depois da meia-noite. Para mim isso não é surpresa, já que sei como funciona a escala da profissão dele.
Na segunda-feira, quando ele chegou, perguntei se poderíamos fazer uma oração juntos. Nada elaborado, apenas nós dois, pedindo a Deus sabedoria para enfrentar os desafios do dia a dia. Ele aceitou. Fizemos isso três noites seguidas.
Só que, justamente nesses dias, tivemos alguns desentendimentos. Eu já esperava. Sempre acreditei que, quando pedimos sabedoria a Deus, muitas vezes recebemos primeiro provações, para que possamos aprender e depois ver a luz no fim do túnel.
Pequenas coisas, grandes discussões
Na segunda feira, meu esposo voltou para casa por volta das 22h30. Antes mesmo de tomar banho, entrou no quarto e viu uma aranha daquelas bem fininhas. Em vez de simplesmente comentar, começou a gritar:
— “Tem aranha aqui porque você deixa a porta aberta!”
Ele não sabe falar baixo, precisa sempre elevar a voz. Eu, cansada de brigas desnecessárias, apenas respondi:
— “Ok, desculpa, não vai acontecer mais.”
Mas não parou aí. Pouco depois, voltou a reclamar da parede amarela do quarto, esse amarelo estava na parte debaixo , próximo do chão, mas ela estava atrás do armário e sinceramente não vi que tinha. Então, ele pegou uma esponja mágica e começou a esfregar, como se fosse eu a responsável por aquela cor na parede. Também criticou a posição do interruptor da luz, como se fosse eu quem tivesse projetado a casa.
Tudo isso aconteceu em menos de meia hora, depois de um dia inteiro de trabalho. Eu fiquei horas tentando montar o esqueleto do meu blog, depois de ter ajudado a mãe dele a limpar a casa dela e ter limpado a nossa, e sinto que para ele, isso não é nada. É impressionante como detalhes tão pequenos podem virar discussões que causam somente desgaste.
O peso de não conseguir trabalho
Enquanto isso, sigo vivendo uma luta silenciosa. Já vai fazer um ano que estou neste país e até agora não consegui emprego. Não estou procurando nada parecido com o que eu fazia no Brasil. Quero apenas trabalhar: em limpeza, produção, atendimento, qualquer coisa. Mas a oportunidade não aparece.
Muitas pessoas dizem que meu currículo é “bom demais” e que isso atrapalha. Mas, sinceramente, não entendo. Se eu quero trabalhar, por que não me dar uma chance? Essa situação me deixa totalmente dependente do meu esposo, o que pesa ainda mais em nosso casamento.
Quando nos casamos, sabíamos que ele não tinha condições financeiras. Vim para cá por amor, e ele alugou um apartamento para nós. O combinado era que, em até três meses, eu conseguiria um emprego para ajudar com o aluguel. Mas isso não aconteceu.
Eu tinha R$ 7.000,00 guardados no Brasil. Usei esse dinheiro para pagar 1 parcela do aluguel aqui ( Lembre-se que o real está desvalorizado neste período) porque não sabíamos que tipo de emergência poderia surgir. Achei justo, afinal, ele realmente não tinha como arcar sozinho. O problema é que, mês após mês, a necessidade se repetiu, até que tivemos de nos mudar para a parte de baixo da casa dos pais dele, vou contar essa história com mais detalhes nos próximos posts.
Uma descoberta dolorosa
Na noite de terça feira, quando meu esposo voltou do trabalho, algo me abalou ainda mais. Há quase três anos eu via um e-mail dele e nunca entendia por que tinha sido criado com aquelas letras estranhas. Sempre que perguntava, ele respondia que não sabia explicar.
De repente, como se fosse uma resposta à oração que fiz pedindo sabedoria, entendi: eram as iniciais dos filhos… e também da ex-esposa.
O detalhe que mais me incomodou: ele criou esse e-mail depois que já havia se divorciado, Não antes, não durante, mas depois. E mesmo assim incluiu a inicial dela.
Para mim, isso é grave. Não pelos filhos, eles fazem parte da vida dele e sempre farão, e eu respeito isso profundamente. Mas a presença da ex-esposa em algo que ele usa até hoje me incomoda. Sinto como se a energia dela ainda estivesse aqui, em cada mensagem que ele envia.
Ele chegou tarde, foi dormir tranquilamente, enquanto eu fiquei no sofá, com a cabeça cheia de perguntas. Será que ainda gosta dela? Porque fez isso? Ele não percebe que carregar o passado conosco é um peso inútil?
Entre a fé e o desespero
Peço sempre a Deus que me dê sabedoria, porque muitos dias são pesados demais. Vejo brasileiros chegando aqui e conseguindo emprego rapidamente. E parece que eu não me encaixo em nada.
Por não termos dinheiro neste momento, eu não consigo pagar um curso que me dê possibilidade de tentar algo fora da minha área com os requisitos daqui, fico realmente de mãos atadas e a minha idade também não ajuda muito.
Relacionamentos são complicados, ainda mais quando envolvem passado mal resolvido, inseguranças e a pressão financeira. Já estive de fora, já julguei mulheres que aceitavam certas situações e pensava: “Como podem se sujeitar a isso?”. Hoje percebo que estou vivendo algo parecido, pagando com a minha própria língua.
Reflexões finais
Escrevo este relato não apenas como desabafo, mas também como reflexão. A vida no exterior, o casamento, a fé e a busca por trabalho estão todos entrelaçados. Às vezes, pequenas coisas, como uma marca amarela na parede no quarto ou um e-mail mal explicado, revelam tensões profundas que estavam escondidas.
Sei que muitas pessoas passam por situações parecidas. Talvez não exatamente iguais, mas com a mesma mistura de amor, dúvidas, dificuldades financeiras e lutas pessoais.
O que me mantém de pé é a fé de que, mesmo em meio às provações, existe uma saída. Deus sabe o que está fazendo. E eu sigo acreditando que, no tempo certo, a bênção vai chegar.
O dia amanheceu e ele disse que irá eliminar qualquer vinculo com este e-mail. Fiquei feliz, só não entendi porque eu precisei pedir.
Se você também está vivendo em outro país, lutando para se adaptar, enfrentando problemas no casamento ou sentindo a dor de não conseguir trabalho, saiba que você não está sozinho. A vida é feita de desafios, mas também de aprendizados. E escrever aqui, compartilhando cada etapa, é a minha forma de transformar dor em força e talvez, de alguma forma, inspirar alguém que esteja passando pelo mesmo.